TJ BA profere primeiro acórdão pela inconstitucionalidade do IPTU por unanimidade
Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em julgamento de mérito de recurso, acolheu os argumentos apresentados na ação e julgou INCONSTITUCIONAL o aumento do IPTU promovido pelo Município do Salvador após o exercício de 2013. Trata-se de significativo precedente que poderá balizar o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela OAB/BA.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CUMULADA COM AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. IPTU. REGIME DE PROGRESSIVIDADE FISCAL PARA AS ALÍQUOTAS DA EXAÇÃO. MAJORAÇÃO EXCESSIVA. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. LEI MUNICIPAL 8464/13 NÃO APRESENTA AS TABELAS COM DADOS NUMÉRICOS E AS RESPECTIVAS ALÍQUOTAS. COMPLEMENTAÇÃO POR INSTRUÇÃO NORMATIVA. IMPOSSIBILIDADE. DECRETO DO PODER EXECUTIVO NÃO TEM O CONDÃO DE MAJORAR O VALOR VENAL DO IMÓVEL. NECESSIDADE DE LEI EM SENTIDO FORMAL.
No caso dos autos constata-se que a alíquota do IPTU de Salvador foi majorada, no ano de 2013, sem observar os princípios constitucionais da legalidade, razoabilidade, proporcionalidade, segurança jurídica e anterioridade nonagesimal. Apenas a lei, em sentido formal, publicada no exercício financeiro anterior tem o condão de majorar tributo por meio da aplicação das tabelas genéricas de valorização dos imóveis. Ademais, à Administração Pública não é permitido agir contra factum propium, isto é, que o comportamento gerador de expectativa seja posteriormente contrariado, em detrimento de outrem. Destarte, acertada a decisão do magistrado singular, não havendo que se falar em reforma do julgado. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MANUTENÇÃO. : Município de Salvador APC JOMC7 A verba honorária foi fixada nos termos da legislação em vigor, devendo ser mantida no percentual fixado pelo a quo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa. Destarte, acertada a decisão do magistrado singular, não havendo que se falar em reforma do julgado.
APELO NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
AC Ó R D ÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível sob no em que é apelante MUNICÍPIO DO SALVADOR e apelados.. ACORDAM os desembargadores componentes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, à unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença de primeiro grau pelos próprios fundamentos.
R E L AT Ó R I O
Adota-se o relatório da sentença (fls. 301-310) proferida pelo MM juiz da 13a Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador, acrescentando-se que o magistrado singular julgou procedente a demanda determinando que o Município de Salvador a se abster da cobrança do IPTU dos imóveis da Autora, de inscrições imobiliárias …, na forma como lançado no exercício de 2014 e seguintes, e determinou o cancelamento do lançamento, para que outro seja feito com base no montante cobrado no exercício de 2013, acrescido do percentual correspondente ao IPCA do período. Condenou, ainda, a municipalidade no pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, bem como ao reembolso das custas adiantadas pela Autora, se houver. Irresignado, apelou o Município do Salvador sustentando a constitucionalidade da Lei Municipal 8.464/2013 e a obediência ao regime da legalidade e anterioridade tributárias. Afirma que a referida Lei que alterou a progressividade de alíquotas para o IPTU, usou como critério exclusivo o valor venal dos imóveis, nos termos do art. 156, inciso I, parágrafo 1o da Constituição Federal. Acrescenta que os critérios de apuração das “faixas/intervalos” de valor venal submetidos a cada alíquota estão também fixados na lei municipal 8.464/13. Assevera que a Lei 8.464/2013 já define as alíquotas (0,10% a 1,00% para imóveis residenciais; 1,00% a 1,50% para imóveis não residenciais; e 1,00% a 5,00% para terrenos), bem como os critérios de sua aplicação (notas explicativas que definem o limite máximo de imóvel por faixa, para exercícios futuros, bem como o critério de sua aplicação), restando ao ato regulamentar apenas aplicar esses critérios por simples cálculo aritmético. Pontua a ausência de ofensa à razoabilidade em tributação obediente ao valor venal, bem como o respeito à capacidade contributiva e preservação da segurança jurídica. Por fim, requer o provimento do apelo ou a redução da verba honorária para o percentual de 5% sobre o valor da causa. As contrarrazões foram apresentadas às fls. 376-386. Foram os autos submetidos à Superior Instância e distribuídos para a Quarta Câmara Cível, cabendo-me a função de Relator. Vieram-me os autos conclusos. É o relatório.
VOTO
Não procede o recurso.Com efeito, o caso dos autos discute a legalidade da majoração da alíquota do IPTU de Salvador pela municipalidade e a constitucionalidade da Lei 8.464/13. Da análise dos autos e da matéria posta pela parte autora, verifica-se o brilhantismo da sentença apelada, motivo pelo qual deve ser mantida. As lei municipais 8464/13 e 8473/13 afrontam diversos princípios consagrados na Constituição Federal. Vejamos. O princípio da legalidade, consagrado no artigo 5o, inciso II da Carta Magna, é expresso ao determinar que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. No que tange ao Direito Tributário, o princípio em tela está previsto no artigo 150, inciso I, da CF/88, segundo o qual é vedado à União, aos Estados, Distrito Federal e Municípios exigir ou aumentar tributos sem que lei o estabeleça. O CTN disciplina a legalidade tributária em seu artigo 97: fls. 3 3 Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:�I – a instituição de tributos, ou a sua extinção; II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;�III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do parágrafo 3o do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;�V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.�§1o Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torna-lo mais oneroso. §2o Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo. Portanto, o princípio da legalidade tributária determina que apenas a lei, sem sentido formal, defina os aspectos relevantes para especificar as circunstâncias e o valor do tributo. No caso dos autos, a Lei Municipal no 8464/2013, em seu art. 2o, alterou o art. 73 do Código Tributário do Município de Salvador, acrescentando os parágrafos 2o e 3o: Art. 73 (…) §2o A Secretaria Municipal da Fazenda publicará até 31 de dezembro de cada ano, para vigência no exercício seguinte, as tabelas de alíquotas progressivas para imóveis de uso residencial, não residencial e de terrenos, constantes da Tabela de Receita no I de que trata o caput deste artigo, bem como o valor das parcelas a deduzir de cada faixa, em função da progressividade da incidência das alíquotas sobre a base de cálculo. §3o Os intervalos de valores venais constantes das tabelas progressivas referidas no parágrafo anterior serão calculados conforme metodologia constante das correspondentes notas explicativas, tomando-se por base a situação do cadastro imobiliário em 30 de novembro de cada ano. Com base no dispositivo supramencionado, o Secretário da Fazenda de Salvador expediu a Instrução Normativa no 12/2013, que contém em seu anexo único as tabelas de alíquotas progressivas do IPTU e os valores das parcelas a deduzir em cada faixa. Ora, resta evidente que a Lei 8464/2013 delegou à Secretaria Municipal da Fazenda a majoração do tributo pela determinação da alíquota aplicável, ferindo o princípio da reserva legal. Verifica-se que somente com a Instrução Normativa no 12/2013 foi estabelecido, de fato, o aumento do IPTU. APC: JOMC7 In casu, o Administrador usurpou a função legislativa e afrontou o rincípio da reserva legal que se configura como limitação constitucional ao poder do Estado, que não pode restringir direito ou criar obrigações através do poder regulamentar. Ademais, trata-se de obrigação tributária que importa em ônus ao contribuinte, somente podendo ser instituído mediante lei sem sentido formal. Em verdade, referidas tabelas constantes na Instrução Normativa no 12/2013 deveriam estar insertas na Lei 8464/2013, instrumento legislativo adequado para regulamentar a majoração do tributo. Ocorreu, na situação posta, supressão de competência legislativa atribuída à Câmara Municipal de Salvador, órgão responsável pela elaboração das leis. Dessa forma, constata-se que o Município de Salvador incorreu em vício de inconstitucionalidade ao estabelecer tal forma de apuração do valor do IPTU, que possibilita sua majoração periódica, independentemente da edição de lei, com evidente violação ao princípio da legalidade. Apenas através do Decreto no 24.194, de 30.08.2013, publicado antes da Lei 8.473, de 27.09.2013, que o contribuinte pode identificar os valores unitários padrão, os critérios técnicos para elaboração da Planta Genérica de Valores e o valor venal do imóvel, a base de cálculo do IPTU. De outra banda, a Lei 8464/2013 viola ainda o princípio constitucional da anterioridade nonagesimal, na medida em que, conforme seu artigo 2o, remete para 31 de dezembro de cada ano o conhecimento das tabelas de alíquotas pelo contribuinte. Nesse ínterim, a Instrução Normativa no 12/2013 foi publicada apenas em 20.12.2013, portanto, menos de 90 (noventa) dias antes da cobrança do imposto que ocorre, em regra, em janeiro de cada ano. Pode-se verificar que a segurança jurídica foi abruptamente abalada, pois o contribuinte foi surpreendido com o aumento significativo da sua obrigação tributária. Este princípio, apesar de não estar expresso na Constituição Federal, revela-se como corolário do princípio da legalidade e visa assegurar aos cidadãos a correta e exata aplicação das normas jurídicas. No momento em que a municipalidade majora tributo sem observar o procedimento e a determinação legal, resta claro o vício em que incorre. Nesse sentido, a jurisprudência pátria se manifesta:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ITBI E IPTU. VALORES VENAIS DISTINTOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. […].Recurso extraordinário. 2. Tributário. 3. ” Legalidade. 4. IPTU. Majoração da base de cálculo. Necessidade de lei em sentido formal. 5. Atualização monetária. Possibilidade. 6. É inconstitucional a majoração do IPTU sem edição de lei em sentido formal, vedada a atualização, por ato do Executivo, em percentual superior aos índices oficiais. 7. Recurso extraordinário não provido. […] (STF – ARE: 790908 DF , ” Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 30/04/2014, Data de Publicação: DJe-084 DIVULG 05/05/2014 PUBLIC 06/05/2014). Esse também é o entendimento que o Tribunal de Justiça da Bahia vem firmado acerca do tema:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE LANÇAMENTO IPTU. MAJORAÇÃO DO VALOR VENAL. AUMENTO DO TRIBUTO POR MEIO INCONSTITUCIONALIDADE.�MATÉRIA PACIFICADA�TRIBUNAIS SUPERIORES E DESTA COLENDA CORTE DE JUSTIÇA. CUSTAS PROCESSUAIS. RESSARCIMENTO HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ADEQUAÇÃO E RAZOABILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. ( Classe: Apelação,Número do Processo: 0003472- 36.2009.8.05.0274, Relator(a): Regina Helena Ramos Reis, Segunda Câmara Cível, Publicado em: 06/09/2016 ).
APELAÇÃO. AÇÃO ANULATÓRIA. DIREITO TRIBUTÁRIO. IPTU. AUMENTO DA BASE DE CÁLCULO ACIMA DOS PERCENTUAIS INFLACIONÁRIOS E POR DECRETO EXECUTIVO. AUSÊNCIA DE LEI AUTORIZATIVA. IMPOSSIBILIDADE. O AUMENTO DO IMPOSTO PREDIAL SOMENTE SERÁ ADMISSÍVEL ATRAVÉS DE LEI EDITADA, NA FORMA DO §1o, DO ART. 97, DO CTN E DO INCISO I, DO ART. 150, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO No 11.976/05. ENTENDIMENTO PACÍFICO DO PLENÁRIO DESTA EGRÉGIA CORTE. DESNECESSIDADE DE ENCAMINHAMENTO DOS AUTOS AO TRIBUNAL PLENO. EXEGESE DO ART. 229 DO RITJBA. CONDENAÇÃO EM CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MANTIDOS. APELO IMPROVIDO. (Classe: Apelação,Número do Processo: 0004078-69.2006.8.05.0274, Relator(a): Adriano Augusto Gomes Borges, Quarta Câmara Cível, Publicado em: 27/07/2016 ). Por fim, quanto aos honorários advocatícios fixados pelo magistrado de piso em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, entendo que atende aos parâmetros legais e proporcionais ao caso em tela, não havendo referência ao limite que deve se restringir o julgador quando do arbitramento em face da Fazenda Pública. Destarte, não assiste razão ao recorrente.�Diante das razões expostas, nego provimento ao apelo, mantendo a sentença de primeiro grau pelos próprios fundamentos. Sala das Sessões, DES. PRESIDENTE/RELATOR DR(A). PROCURADOR(A) DE JUSTIÇA