Pular para o conteúdo

Justiça susta a eficácia do artigo da Lei de Salvador que dispensa estudo sobre sombreamento

16 de outubro de 2025

O pedido de Liminar foi concedido parcialmente, reconsiderando em parte a decisão agravada (art. 1.021, §2º, do CPC),  para sustar a eficácia do artigo 103 da Lei n. 9.148/2016 do Município de Salvador quanto à dispensa do estudo de sombreamento nele prevista, incidindo apenas sobre as obras e empreendimentos que ainda não foram concluídos.

Confiram nos autos:

DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE n. 8024995-86.2024.8.05.0000

Órgão Julgador: Órgão Especial

AUTOR: PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (P-SOL) e outros (3)

Advogado(s): IURI FALCAO XAVIER MOTA (OAB:BA23375-A), LUCAS MAIA DE CARVALHO (OAB:BA39728-A), VANDILSON

PEREIRA COSTA (OAB:BA13481-A), LUIS VINICIUS DE ARAGAO COSTA (OAB:BA22104-A), MATHEUS HAGE FERNANDEZ (OAB:BA26388-A)

REU: MUNICIPIO DE SALVADOR e outros

Advogado(s): VITOR LENINE DE SOUZA CHAGAS (OAB:BA24179-A)

DECISÃO

Trata-se de Agravo Interno interposto pelos seguintes partidos políticos: PARTIDO

SOCIALISMO E LIBERDADE (P-SOL), PARTIDO DOS TRABALHADORES, PSB –

PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO e PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL – BAHIA

– BA – ESTADUAL em face decisão proferida em Ação Direta de Inconstitucionalidade tombada sob o nº 8024995-86.2024.8.05.0000 que rejeitou pedido liminar.

Em suas razões, alegam os agravantes que “a exceção do Estudo de Sombra, impede que, no licenciamento, se constate se haverá sombra ou não na praia, simplesmente pelos estudos não existirem. Ou seja, a licença será espedida sem se considerar o sombreamento. É uma verdadeira autorização para sombrear as praias em qualquer horário.”

Argumentam que “Nestes oito anos, a exceção, conforme sinalizado pelo Relator, foi pouco usada e passou despercebida pela sociedade civil, tendo repercutido após denúncias recentes, após o sombreamento da Praia das Divas e a possibilidade de sombreamento permanente da Praia do Buracão. Ademais, tal antinomia deveria ser avaliada como inválida pelo próprio Município, que não deveria considerar a dispensa de estudo de sombra como algo a ser considerado, principalmente porque se estabelece que o estudo de sombra/solar é justamente o parâmetro que limita a altura das edificações que possam provocar sombra nas faixas de areia das praias de Salvador.”

Defendem que “Ora, dispensar o estudo de sombra não tem nada a ver com a altura dos edifícios. Um edifício de 10 (dez) metros pode causar sombras. A regra que exige estudo de sombras na ABM existe para coibir que o bem de uso comum do povo

( Praia) sofra danos por meio do sombreamento. A altura das edificações, ou gabarito, não define se irão ou não provocar sombras na praia. Este entendimento é extraído do próprio artigo (mesmo que não produzam sombreamento na praia).”

Esclarecem que “A municipalidade, em suas manifestações, resolveu omitir que iria autorizar e, com efeito, autorizou alvará de construção para empreendimentos que gozaram do dispositivo combatido, dispensa do estudo de sombra/solar, não tendo seu gabarito limitado pelo sombreamento que provocará na faixa de areia da Praia do Buracão, em horários proibidos pela legislação municipal e ainda com aumento de potencial construtivo de 50%.”

Ao fim, requerem a reforma da decisão de modo a ser concedido pleito liminar para suspensão da eficácia das normas discutidas, quais sejam, o artigo 103 da Lei Municipal n. 9.148/2016 e o artigo 275, IV da Lei Municipal n. 9.069/2016.

Devidamente intimado, o MUNICÍPIO DE SALVADOR apresenta contrarrazões no ID 86138603.

Afirma que “A decisão monocrática pontua que o art. 103 da LOUOS e o art. 275, IV, do PDDU estão em vigor desde 2016, e somente foram objeto de questionamento em abril de 2024, ou seja, 8 anos após sua promulgação. Essa longa inércia, por si só, demonstra a ausência de dano concreto e imediato que justificasse a concessão de medida liminar.”

Esclarece que “Ou seja, a exceção do art. 103 não é um ‘cheque em branco’, mas sim um instrumento rigorosamente condicionado, com critérios objetivos de proteção ao meio ambiente urbano. A exigência de aprovação por órgão técnico qualificado confere plena segurança jurídica e urbanística ao dispositivo”

Destaca que “Outra inverdade reiterada no agravo interno é que as normas impugnadas teriam sido aprovadas sem embasamento técnico. Essa alegação já foi amplamente rebatida tanto nas informações prestadas pelo Município quanto na própria decisão monocrática. O Município de Salvador contratou a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE, respeitada entidade de renome nacional, para elaboração de estudos técnicos no âmbito da revisão da LOUOS e do PDDU. Estes estudos subsidiaram a construção das normas com base em critérios urbanísticos, ambientais e sociais.”

Acrescenta que “foi devidamente comprovada a participação da Professora Roberta Kronka, urbanista mencionada pelos Agravantes, nos debates da equipe técnica, conforme reconhecido pela própria profissional no inquérito civil instaurado pelo Ministério Público.”

Pontua que “Os dispositivos questionados tratam justamente de controle urbanístico local, não havendo qualquer extrapolação de competência. Ao editar a LOUOS e o PDDU, o Município atuou dentro da sua competência constitucional suplementar, inclusive respeitando diretrizes da Lei Federal nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), como a função social da propriedade e a sustentabilidade urbana.”

Firmes nestas razões, requerem que seja negado provimento ao agravo interno.

É o que cumpria relatar.

Conforme exposto, trata-se de agravo interno aviado em face de decisão que denegou pedido liminar para suspensão da eficácia do o artigo 103 da Lei Municipal n. 9.148/2016 e o artigo 275, IV da Lei Municipal n. 9.069/2016.

O argumento central da decisão ora recorrida foi a inexistência de urgência para provimento do pleito.

Todavia, os pleiteantes trouxeram aos autos novos documentos que demonstram a existência de empreendimentos potencialmente contemplados pelos dispositivos ora em discussão, em iminência de serem construídos, o que revela a premência do debate.

Outrossim, no caso em análise discute-se o direito a meio ambiente saudável, que possui significativas repercussões na vida e atividades de todos os habitantes do município, mais um ponto a justificar a pronta análise das alegações.

Assim, reconhecida a urgência, cabe analisar a probabilidade do direito autoral.

Como dito, a presente demanda tem como intuito a declaração de inconstitucionalidade de dois dispositivos. O primeiro deles é o artigo 103 da Lei Municipal n. 9.148/2016:

Art. 103 Na Borda Atlântica, o gabarito de altura máxima das edificações poderá ultrapassar os limites estabelecidos no art. 102 desta Lei apenas na situação prevista no art. 111 desta Lei, não se aplicando neste caso a exigência do estudo de sombreamento.

Os agravantes reputam que tal dispositivo careceria de constitucionalidade por dispensar o estudo de sombreamento para algumas construções, o que entendem que seria violador da obrigação de proteção ao meio ambiente.

Nesse contexto, é preciso destacar que, com base nos fundamentos apresentados pelos recorrentes em sua petição inicial e demais manifestações formuladas nestes autos, já é possível, em análise não exauriente da matéria, concluir que o sombreamento de construções sobre a faixa de praia possui diversos impactos negativos, tanto sob o ponto de vista ambiental, quanto o do paisagístico, turístico e urbano.

Nesse particular, é de se destacar que a própria Lei Municipal n. 9.148/2016 reconhece o caráter nocivo do sombreamento das praias:

Art. 3º Para o cumprimento das diretrizes de ordenamento territorial urbano dispostas no PDDU e atendimento dos objetivos da presente Lei, os parâmetros de parcelamento e urbanização, uso e ocupação dos terrenos serão utilizados conforme as seguintes finalidades principais:

(…)

VII – gabarito de altura máxima, recuos mínimos, recuos progressivos e índice de ocupação máxima: controlar a volumetria das edificações no lote e na quadra, garantir a visualização de marcos referenciais e evitar interferências negativas na paisagem urbana e no conforto ambiental, interna e externamente à edificação, notadamente o sombreamento das praias;

Veja-se que o dispositivo acima destacado expressamente descreve o sombreamento das praias como sendo uma “interferência negativa na paisagem urbana e no conforto ambiental” e requer que este seja notadamente evitado.

Por outro lado, estão encartados na Constituição Federal, e replicados na Constituição do Estado da Bahia, uma série de dispositivos voltados à proteção e defesa do meio ambiente, obrigação que é apontada como sendo não apenas do Poder Público, mas de toda a coletividade.

Nesse sentido, a Constituição Estadual prevê a defesa do meio ambiente como uma das suas diretrizes:

Art. 11 – Compete ao Estado, além de todos os poderes que não lhe sejam vedados pela Constituição Federal:

(…)

VIII – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, preservando as florestas, a fauna e a flora;

Justamente em virtude disto, e como desdobramento deste dever, é que a constituição do estado prevê a necessidade de estudos técnicos prévios para empreendimentos que sejam potencialmente lesivos ao meio ambiente:

Art. 214 – O Estado e Municípios obrigam-se, através de seus órgãos da Administração direta e indireta, a:

(…)

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

Ora, conforme esclarecido linhas atrás, a ocorrência de sombreamento das praias é reconhecidamente uma causa de degradação do meio ambiente. Desse modo, e em acato ao dispositivo constitucional acima destacado, qualquer obra ou atividade que possa causá-la deve ser precedida de estudo prévio de impacto, que nesse caso vem a ser o estudo de sombreamento.

Ainda que existam outros dispositivos a regular a realização de empreendimentos na faixa litorânea do Município de Salvador – conforme destacado na decisão ora recorrida – é de se levar em consideração que a dispensa de estudo de impacto ambiental para a permissão de construção de prédios que trarão possível degradação significativa ao meio ambiente é, por si só, violadora de expressa disposição constitucional.

Destaca-se que não se pode, em nome de fomentar o empreendimento e a recuperação de áreas urbanas, chancelar-se a patente violação de normas constitucionais, em especial quando elas se voltam à proteção de bem jurídico de grande relevância, como o meio ambiente.

Com base em tais prismas, e em análise não exauriente da matéria, nota-se que o artigo 103 da Lei Municipal n. 9.148/2016 de Salvador, ao dispensar o estudo de sombreamento, encontra-se em desalinho com as disposições constitucionais do estado, em especial o artigo 214, IV, da Constituição Estadual, haja vista que autoriza a realização de empreendimentos com impacto ao meio ambiente sem prévio estudo técnico.

Assim, deve ser suspensa a eficácia desta norma na sua parcela em que autoriza a dispensa do estudo de sombreamento.

Além deste dispositivo, questiona-se, também o artigo 275, IV da Lei Municipal n. 9.069/2016:

São diretrizes para a Borda Atlântica:

(…)

IV – controle da altura das edificações ao longo da ABM, visando ao controle do sombreamento da praia no período das 9 (nove) horas até as 15 (quinze) horas e resguardando o conforto ambiental urbano.

Com relação a ele, as razões expostas em decisão anterior se mantém hígidas, haja vista não ter sido apresentado fundamento que esclareça a sua contrariedade ao meio ambiente.

Reafirma-se que, ainda que a proibição de sombreamento tenha sido limitada a determinados horários, a suspensão de eficácia deste dispositivo, sem a existência de outro que lhe seja subjacente, fará com que mesmo durante o período mencionado não haja exigência de controle sobre o sombreamento.

Assim, a concessão de liminar quanto a esse artigo poderia criar situação de ausência absoluta de proteção, o que requer prudência na análise.

Outrossim, a alegação de inconstitucionalidade em virtude da ausência de prévios estudos técnicos para delimitação do horário para sombreamento ainda depende de apuração mais aprofundada, não estando evidenciada em análise não exauriente da matéria.

Ante o exposto, reconsidero em parte a decisão agravada (art. 1.021, §2º, do CPC), concedendo parcialmente o pedido liminar para sustar a eficácia do artigo 103 da Lei n. 9.148/2016 do Município de Salvador quanto à dispensa do estudo de sombreamento nele prevista.

Por oportuno, e em observância à segurança jurídica, modulo os efeitos da decisão aqui proferida para que incida apenas sobre as obras e empreendimentos que ainda não foram concluídos.

Com o julgamento do presente recurso, resta prejudicada a análise dos embargos de declaração antes opostos.

Intime-se a Procuradoria-Geral do Estado da Bahia para manifestação. Após, retornem os autos à Douta Procuradoria de Justiça para prolação de parecer.

Publique-se para efeito de intimação.

Fonte: TJ BA

From → Notícias

Deixe um comentário

Deixe um comentário

Crie um site como este com o WordPress.com
Comece agora