Substituição do ICMS e do ISS pelo IBS transfere recursos para municípios onde a população está
Juntamente com a modificação dos tributos prevista na reforma (EC nº 132/23 e LC nº 214/2024) — PIS/Cofins substituído por CBS; ICMS e ISS, pelo IBS — haverá uma alteração na forma de partilha dos recursos entre os entes subnacionais.
Considerando a relevância desta mudança para os orçamentos dos municípios brasileiros, este é o primeiro de uma série de artigos sobre as novas regras de partilha do IBS entre municípios e o período de transição para estes entes, tratando do sistema atual de distribuição entre municípios dos tributos ICMS e ISS, substituídos pela reforma, e o novo sistema de distribuição do IBS.
Discrepância de recursos de ICMS por habitante entre municípios
O ISS é um tributo de competência municipal e é cobrado no município do estabelecimento da empresa prestadora do serviço ou o local de execução do serviço, não sendo repartido entre outros municípios. Neste sentido, como se dá a partilha do ICMS e do IBS (pós-reforma) entre os municípios?
O ICMS é o tributo sobre consumo de maior arrecadação do país, representando em 2024 cerca de 7% do PIB brasileiro, e é recolhido de forma dividida entre local de origem e local de destino das mercadorias. A tributação na origem beneficia os estados onde ocorre a produção, fazendo com que estados com elevada atividade industrial — exceto aquela destinada à exportação, isenta de ICMS pela Lei Kandir [1] — tendem a concentrar maiores volumes de arrecadação.
Uma parcela do ICMS arrecadado pelo estado, equivalente a ¼ da arrecadação, é destinado aos municípios (cota-parte do ICMS; CP-ICMS). Este repasse é parte relevante dos orçamentos dos municípios brasileiros, representando, em média, 15% do total das receitas correntes dos municípios (2024). O peso da CP-ICMS no orçamento, porém, apresenta grande variabilidade entre municípios: considerando exemplos entre as capitais brasileiras, em Belo Horizonte (MG) a CP-ICMS foi de 6% das receitas correntes, enquanto em Boa Vista (RR) representou 34%.
Esta variabilidade pronunciada da CP-ICMS entre municípios brasileiros também se manifesta na cota-parte de ICMS por habitante, como visto na tabela abaixo. Como exemplo, o município de São Francisco do Conde (BA) recebeu 167 vezes mais cota-parte de ICMS do que Águas Lindas de Goiás (GO), na média entre 2019-2024.
Municípios ordenados pela CP-ICMS recebida por habitante (média 2019-2024)
| Posição | Município | UF | CP-ICMS recebida por habitante (média 2019-2024) |
| 1º | São Francisco do Conde | BA | R$ 12.723 |
| 2º | São Gonçalo do Rio Abaixo | MG | R$ 12.128 |
| 3º | Paulínia | SP | R$ 12.000 |
| 4º | Cachoeira Dourada | MG | R$ 10.108 |
| 5º | Alvorada de Minas | MG | R$ 10.097 |
| […] | |||
| 5566º | Paço do Lumiar | MA | R$ 87 |
| 5567º | Santo Inácio do Piauí | PI | R$ 87 |
| 5568º | Madeiro | PI | R$ 80 |
| 5569º | Novo Gama | GO | R$ 76 |
| 5570º | Águas Lindas de Goiás | GO | R$ 76 |
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Elaboração: LCA Consultoria Econômica.
No período 2019-2024, a região Nordeste é a que apresenta maior desigualdade [2] no recebimento de recursos de CP-ICMS entre os municípios, sendo a Bahia o estado brasileiro em que esta desigualdade é mais pronunciada.
Os critérios atuais de partilha da cota-parte de ICMS entre municípios do mesmo estado são umas das principais razões desta desigualdade da distribuição destes recursos entre os habitantes dos municípios brasileiros.
De fato, do valor de ICMS a ser distribuído aos municípios, no mínimo 65% devem ser distribuídos com base no Valor Adicionado Fiscal (VAF), indicador que mede a atividade econômica municipal a partir da diferença entre as mercadorias e serviços tributáveis pelo ICMS que saem e entram no local, inclusive exportações. Os valores restantes da CP-ICMS são repartidos conforme estabelecido em leis estaduais, observando a distribuição de, no mínimo, 10% com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade.
A predominância do critério ligado ao VAF no sistema atual de partilha faz com que os municípios produtores absorvam parcelas significativas do ICMS, mesmo que esses municípios tenham populações menores e, por decorrência, menor demanda de serviços públicos. O resultado é uma desproporção muito significativa entre CP-ICMS recebida por cada município e a população deste. Tal situação é amplificada em municípios com atividade econômica pouco intensiva em mão de obra, como ocorre em algumas atividades extrativas minerais, refino de petróleo, entre outras.
Ressalte-se que algumas dessas atividades não contribuem para o recolhimento de ICMS ao estado — é o caso de atividades exportadoras ou de revenda interestadual de petróleo e combustíveis —, mas os municípios em que estas atividades ocorrem absorvem parcela significativa do montante arrecadado de ICMS no estado.
Critério predominante de distribuição por população atenua desigualdades
A reforma tributária apresenta novas regras de arrecadação (princípio da tributação no destino) e de distribuição (principal critério passa a ser população), com a intenção de amenizar as distorções do sistema atual de partilha de tributos. O IBS, que substitui o ICMS (estadual, ¼ distribuído para municípios pela cota-parte) e o ISS (competência municipal), terá uma parcela diretamente arrecadada pelo município e outra parcela pelo estado. Da receita estadual de IBS, ¼ será distribuído aos municípios, como acontece atualmente com o ICMS, porém com diferentes regras de partilha.
A finalidade desta nova regra é que a receita do IBS destinada aos municípios possa estar onde a população, que demanda atenção por saúde básica, creches e escolas primárias, está.
A transição para esses critérios mais equitativos, entretanto, ocorrerá de forma gradual, durante longo período, de 50 anos. Para municípios que apresentem queda expressiva em suas receitas, haverá um seguro-receita, alongando ainda mais o período de ajuste, para 70 anos.
Fonte: Conjur por Gustavo e Pedro

