A entrevista de Lula ao The New York Times. Confira trechos
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que tem feito reiteradas tentativas de diálogo com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, diante da iminente entrada em vigor de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros exportados aos EUA. A sobretaxa, anunciada de forma unilateral por Trump, deve começar a valer nesta sexta-feira (1º), caso não haja recuo por parte da Casa Branca. Em entrevista ao The New York Times, publicada na madrugada desta quarta-feira (30) — a primeira concedida por Lula ao jornal norte-americano em 13 anos — o presidente brasileiro relatou frustração com a ausência de resposta por parte do governo dos EUA.
“O que está nos impedindo é que ninguém quer conversar. Eu pedi para fazer contato”, declarou Lula. Segundo ele, foram mobilizados diversos integrantes do alto escalão do governo brasileiro para buscar diálogo com Washington, incluindo o vice-presidente Geraldo Alckmin, o ministro da Agricultura Carlos Fávaro e o ministro da Fazenda Fernando Haddad. Apesar do esforço, nenhuma sinalização de reciprocidade foi recebida. “Até agora, não foi possível”, lamentou.
O petista afirmou ainda que o Brasil já participou de pelo menos dez reuniões com representantes da Secretaria de Comércio dos Estados Unidos (USTR), mas os encontros não resultaram em avanços concretos sem o respaldo direto da Casa Branca. Para Lula, a falta de disposição para o diálogo demonstra um desvio dos padrões diplomáticos tradicionais. “O comportamento do presidente Trump saiu de todos os padrões de negociação e de diplomacia”, criticou. “Quando você tem uma discordância comercial, você pega o telefone, marca uma reunião. O que você não faz é taxar e dar um ultimato.”
Durante a entrevista, Lula foi enfático ao dizer que o Brasil não aceitará conduzir as tratativas como um país subordinado. “Em nenhum momento o Brasil vai negociar como se fosse um país pequeno diante de um país grande”, afirmou. Ele reconheceu o peso econômico, militar e tecnológico dos EUA, mas destacou que isso não deve gerar submissão. “Nos deixa preocupados, mas não com medo.”
O presidente defendeu uma abordagem equilibrada, baseada no respeito mútuo e na busca de soluções conjuntas. “Nas negociações políticas entre dois países, a vontade de nenhum deve prevalecer. Sempre precisamos encontrar um meio termo. Isso não é alcançado estufando o peito, nem abaixando a cabeça.”
Lula também criticou a forma como o anúncio da tarifa foi feito: por meio das redes sociais. “Anunciar um tarifaço dessa magnitude pelas redes sociais foi vergonhoso”, declarou. Para ele, a atitude representou não apenas uma afronta à soberania brasileira, mas também uma ameaça à relação bilateral construída ao longo de décadas.
Segundo o presidente, a sobretaxa terá impacto direto também sobre o consumidor norte-americano, ao encarecer produtos como café, carne e suco de laranja. Ele alertou que a medida pode agravar a inflação nos EUA, que ainda está acima da meta de 2% estabelecida pelo Federal Reserve. “Nem o povo americano nem o povo brasileiro merecem isso. Vamos passar de uma relação comercial sólida para uma disputa desnecessária”, avaliou.
Apesar das críticas e da tensão crescente, Lula reforçou que o governo brasileiro permanece aberto ao diálogo. “Espero que a civilidade retorne à relação entre Estados Unidos e Brasil. O tom da carta dele [Trump] foi definitivamente de alguém que não quer conversa”, comentou.
Sem uma sinalização concreta de Washington, o Planalto vê-se diante de um impasse. Com uma tradição diplomática marcada pela busca do entendimento e da moderação, o Brasil enfrenta agora o desafio de se relacionar com um governo que, segundo Lula, se recusa a negociar. “Tratamos todos com grande respeito, mas queremos ser tratados com respeito também”, concluiu.
Fonte: Revista Piaui

