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Só distribui lucros quem é empresa

25 de junho de 2019

Numa sociedade empresária existem duas maneiras de remunerar o seu quadro societário: através de pró-labore ou pela distribuição dos lucros. O sócio laboral, aquele que exerce atividade, pode receber por meio de pró-labore, parcela paga pelo trabalho, ou por intermédio de distribuição de lucros, independentemente do seu esforço. O sócio investidor, quer trabalhe ou não, é remunerado proporcionalmente a sua participação no Capital Social, conforme previsto em Contrato Social.

Numa sociedade civil de prestação de serviços profissionais, o sócio presta pessoalmente os serviços em nome da sociedade, sendo segurado obrigatório na categoria de contribuinte individual. Dessa forma, torna-se obrigatória a discriminação da parcela paga pelo trabalho por ser fato gerador da contribuição previdenciária e do imposto de renda. Quando a sociedade opta por distribuir lucros, o sócio deixa de ser recompensado pelo trabalho e passa a condição de empreendedor.

Qual a real importância dessa matéria?

As sociedades de profissionais tipificadas no Decreto-Lei 406/68 gozam da prerrogativa de recolher o imposto municipal, o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS, por um valor fixo, de acordo com o número de profissionais, caso obedeçam às exigências nele previstas, como a pessoalidade na prestação dos serviços. Assim, uma vez presente o caráter pessoal, os valores pagos aos sócios terão necessariamente natureza jurídica de retribuição pelo trabalho, e sujeita-se à tributação federal.

Realmente não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, se a forma de remuneração dos profissionais for estritamente proporcional ao trabalho desempenhado. Caso o sócio não exerça nenhuma atividade ou função, ele não deve receber pró-labore. Entretanto, quando o exercício da profissão constitui elemento de empresa, havendo desprezo ao labor e à pessoalidade, o sócio recebe apenas o que lhe cabe na divisão de lucros, de acordo com as suas quotas e a sociedade constitui-se em empresarial.

No caso específico da tributação municipal, a polêmica gerada sobre os efeitos tributários da distribuição desproporcional de lucros ou dividendos é irrelevante, pois a mera ação de repartição dos lucros fulminaria a compensação pelo trabalho pessoal e intelectual, requisitos imprescindíveis para a tributação diferenciada do ISS.  Numa sociedade de profissionais, a única proporcionalidade exigida é a remuneração dos sócios pelo labor, pois somente na sociedade empresária, as partes têm a prerrogativa de estipular as condições e o percentual de participação de cada sócio nos resultados sociais. Afinal, só distribui lucros quem é empresa!

Karla Borges

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4 Comentários
  1. camilo1803 permalink

    Sra. Carla Borges, é muito enriquecedor ler o seus artigos. No entanto, a distribuição de lucro por parte de uma sociedade simples, por si só, não a equipara a uma sociedade empresária. De acordo com o próprio art. 966, do código civil, no seu parágrafo único: Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. Entendimento diferente do alegado pela SEFAZ MUNICIPAL ao avaliar que a sociedade médica que presta serviço único e exclusivo pelo médico (sócio) deixa de ter o caráter pessoal só por distribuir os lucros, mesmo na proporção da sua produção, por exemplo. O próprio art. 1007, do mesmo código, estabelece a distribuição dos lucros pelas sociedades simples: Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas. Ou seja, uma sociedade simples pode, sim, distribuir lucros, sem ser considerada uma sociedade que se organiza para a produção de bens e serviços.

    Inclusive, com relação ao entendimento da Receita Federal, que caso a sociedade opte por apenas distribuir lucros e o sócio prestar serviços à sociedade, haverá tributação sobre o valor integral distribuído como se fosse pagamento de pró-labore, mesmo que a contabilidade esteja regular, sujeitando-se à contribuição previdenciária patronal de 20%. O entendimento foi proferido especialmente para fins previdenciários, não pode ser usado para descaracterizar uma sociedade de profissionais. Contudo, essa posição difere da que já foi adotada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), órgão responsável por julgar na esfera administrativa os processos decorrentes de autuações realizadas pela R. Federal. O Tribunal administrativo já se posicionou (acórdão 2302­003.211) no sentido de que, inexistindo previsão legal que imponha à sociedade a obrigação de remunerar os seus sócios pelo seu trabalho, leia-se, via pró-labore, cabe ao contrato social a definição da forma em que serão efetuados os pagamentos a eles devidos.

    Com base nesse entendimento, havendo a existência de lucro – comprovado pela apresentação de demonstrações de resultados -, ainda que decorrente do trabalho dos sócios, a sociedade pode decidir sobre a distribuição de lucros. Esclarece ainda o Conselho que os sócios de uma sociedade simples são considerados segurados obrigatórios desde que recebam remuneração, e que, a despeito da amplitude conceitual do termo “remuneração”, esta não se confunde com o lucro, ainda que o êxito societário decorra do labor dos sócios.

    Por sua vez, o STJ, no julgamento do RE 1.1224.724-PR, entendeu que, caso tenha ocorrido a antecipação de dividendos, nada impede que, após a apuração do resultado do exercício, constate-se que tenha havido lucro e seja afastada eventual cobrança sobre as parcelas adiantadas a título de participação no lucro.

    Por isso, é importante se atentar para outros fatores em relação à vontade de equiparar uma sociedade de profissionais, que prestam o serviço de forma pessoal e assumindo a responsabilidade do mesmo, em uma sociedade empresária, com o intuito de obter receita através de recolhimento do ISS por meio de alíquota aplicada sobre a receita, como o que vem fazendo a prefeitura de Salvador.

    Camilo Machado,
    Nunes Contabilidade

    • Prezado Camilo,
      Agradeço as suas considerações e até concordo com parte delas. A descaracterização da sociedade civil de profissionais se dá pela violação a pessoalidade prevista nos parágrafos 1º e 3º do artigo 9º do Decreto-Lei 406/68, quando esse tipo de sociedade distribui lucros, pois perde a prerrogativa da tributação diferenciada através de valor fixo por cada sócio. O próprio artigo 1007 do CC/02 já sepultaria a possibilidade de o contribuinte ser enquadrado como sociedade simples pura. Lembre-se que o Código Civil é posterior ao Decreto-Lei que tem força de Lei Complementar e não pode ser modificado por lei ordinária. A questão crucial é a pessoalidade. Quando a sociedade opta por distribuir lucros viola a pessoalidade na prestação de serviços. A remuneração dos sócios só poderia ocorrer por pró-labore, incidindo os tributos que tão bem relatou. Muitos não fazem o link sobre a incompatibilidade entre a distribuição de lucros e a pessoalidade, pois quando eu afirmo que só distribui lucros quem é empresa é por conta da falta de pessoalidade na prestação de serviços, quando o sócio opta por ser remunerado como se fosse sócio de uma sociedade empresária, desprezando o labor.
      Mais uma vez agradeço as suas considerações, frisando que essa é a minha opinião como professora. Pode ser que os fiscos municipais tenham posições divergentes.

      • camilo1803 permalink

        Querida Carla Borges, muito obrigado por ter respondido o meu comentário. O seu texto e a sua resposta tem me ajudado na tentativa de entender essa insegurança jurídica causada pelos municípios em vários Estados do nosso Brasil.

        Mas, o que diz os parágrafos 1º e 3º do artigo 9º do Decreto-Lei 406/68:

        Art 9º A base de cálculo do impôsto é o preço do serviço.

        § 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o impôsto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.

        § 2º…..

        § 3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.

        De acordo com o que está expresso na citada lei, o pré-requisito para a sociedade recolher o imposto em relação a cada profissional habilitado na sociedade, é a prestação do serviço sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte. Independe como é remunerado o profissional por parte da sociedade. Basta apenas desempenhar o serviço de forma pessoal.

        E sem prejuízo do parágrafo 1º, o terceiro permite que o serviço seja desempenhado por outro profissional além do sócio, bastando ser habilitado para a atividade dos itens elencados na lista anexa. Lembrando que a segregação entre remuneração por pró-labore e distribuição de lucros importa apenas para fins previdenciários. Não pode os fiscos municipais, através de juízos de valores, determinar que a simples distribuição dos lucros descaracteriza a pessoalidade na prestação do serviço.

        Com isso, em minha opinião, não existe uma incompatibilidade entre o Decreto-lei 406/68, que foi recepcionado com força de lei complementar, e o Código Civil de 2002, pois aquele trata da forma de recolhimento do imposto por parte das sociedades quando o trabalho for desempenhado de forma pessoal, o que cabe a uma lei complementar, enquanto este determina os direitos e deveres deste tipo societário. Logo, não há uma antinomia entre as duas normas, não importando a hierarquia ou a cronologia entre as mesmas.

        Camilo Machado,

      • Prezado Camilo,
        As suas considerações estão corretas em parte.
        Como você bem se expressou, o pré-requisito para a sociedade recolher o imposto em relação a cada profissional habilitado na sociedade, é a prestação do serviço sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, seja como autônomo, seja enquanto integrante da sociedade. Desta forma, a única forma de remuneração do trabalho pessoal é o pró-labore, uma vez que a distribuição de lucros não se baseia no labor, mas no capital investido pelo sócio.
        Perceba que o Código Civil de 2002 ao prever a opção de distribuição de lucros para as sociedades simples no artigo 1007 sepulta qualquer possibilidade de que essas sociedades simples sejam enquadradas como sociedades de profissionais, conforme reza o Decreto-Lei 406/68. (Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas.) Quando o sócio opta pela distribuição de lucros, desnatura a pessoalidade nos serviços prestados, ou seja, a sua remuneração passa a ser de acordo com o seu investimento e não pelo trabalho desempenhado, descaracterizando, assim, a exigência do trabalho pessoal previsto no DL 406/68. As sociedades permanecem simples, mas jamais poderão utilizar-se da prerrogativa da tributação fixa das sociedades de profissionais prevista no DL 406/68. O novo Código Civil de 2002 provocou essa incompatibilidade.
        Ademais, poderíamos também analisar a questão do ponto de vista da revogação tácita do artigo 9º do Decreto-Lei 406/68 pela vedação do Código Civil Brasileiro a repristinação da lei, uma vez que a LC 116/03 revogou expressamente a LC 56/87, que modificou o Decreto-Lei 406/68 à época, dando-lhe nova redação na Lista de Serviços.
        Mais uma vez agradecemos a sua manifestação, atestando que o assunto é bem polêmico.
        Estamos à disposição!

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